Um pequeno-almoço é um pequeno-almoço
O Tarantino tem boas cenas de pequenos-almoços. É a refeição mais importante do dia, sempre nos disseram, e ele também deve ter ouvido a mesma cantiga (ainda que noutra língua). Temos, no “Cães Danados” o Mr. Brown, o Mr. Blonde, o Mr White, e por aí fora, todos à conversa sobre a semântica da lírica madonniana enquanto tomam um pequeno-almoço calórico. E temos, no “Pulp Fiction”, o hambúrguer roubado e mastigado por Samuel L. Jackson ao sujeito que, minutos mais tarde, vai furar com uma dose considerável de tiros.
Tudo isto para transportar-vos para o cenário mais improvável num filme do Tarantino. Um terraço de uma pequena casa de turismo de habitação, em Vila Nova de Milfontes, onde tomei os melhores pequenos-almoços que a minha boca teve oportunidade de provar nos últimos tempos. (Nos últimos anos, arrisco.)
Casa do Adro é o nome do templo. A D. Idália é a guardiã suprema do mesmo. O recato daquela rua em Milfontes quase nos faz esquecer de que estamos realmente em Milfontes e isso é bom. E melhor ainda é o aviso logo à chegada: não há horas para o pequeno-almoço. E não há mesmo. Até quando, depois de adormecer a horas impróprias, acordo também a horas impróprias com a porta a bater e um aviso: “Ainda servimos o pequeno-almoço”. Eram três da tarde, meus amigos. E eu disse que sim, sem qualquer entrave, porque um tesouro assim não se nega.
Mas qual o grande segredo deste pequeno-almoço? A singeleza misturada com a fartura. Uma travessa com papaia, melão, pêssego, laranja, figo. O doce… O sumo de laranja. O pão alentejano. Mais! O Pão alentejano torrado e a ainda a deixar escorrer, pecaminosamente, a manteiga. O presunto. A tábua de queijos. Os ovos mexidos. Simples mas reconfortante, como todo o pequeno-almoço deve ser. Para isto, nem o Tarantino tinha a verve necessária.