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Quanto Mais Quente Melhor

Doces com coração (e umas coisas salgadas pelo meio). Food porn descarado da cozinha (e das viagens) de uma jornalista doceira.

Como se Moisés tivesse separado as águas

Na vida, há receitas de arroz de pato e receitas de arroz de pato. E estão por todo o lado. Ainda está, no entanto, por nascer o dia em que um arroz de pato vai bater a lendária receita de família do dito que se faz cá em casa. Com o toque certo e os segredos ancestrais da minha tia Júlia, comê-lo é como reviver a cena de «Os Dez Mandamentos», de Cecil B. DeMille, em que Moisés separa as águas. Com as águas do Mar Vermelho vão todas as outras versões que o mundo já comeu e, no meio, apenas esta tem direito a passar.

 

Primeiro, a matéria-prima. Voltando à minha tia Júlia, adepta fervorosa da pura agricultura biológica, vive numa quinta onde produz praticamente tudo aquilo de que precisa para comer em casa.

 

Na lista de bicharada estão, claro, os patos. Trata-os com carinho e produtos naturais e depois, com pena, mata-os em prol de um bem maior. Tem até o estranho hábito de congelar os bichos colocando os nomes pelos quais os tratava bem legíveis no saco de congelação. É daí que geralmente vêm os patos para o meu arroz.

 

Ora vamos aos segredos. Em vez de atirar com o bicho logo de início para dentro do forno, estufo-o num tacho com ingredientes variáveis (dependendo dos legumes que tenha no frigorífico que isto de ter de comprar coisas de propósito, parecendo que não, chateia). As cenouras, a cebola, a salsa, o alho e o vinho branco são obrigatórios mas o ingrediente secreto, esse, infelizmente tem de se manter fechado a sete chaves. Há instituições a respeitar e a história familiar é coisa em que não se toca.

 

É depois deste processo que desfio a criatura e a faço passar pelo processo habitual de a colocar num tabuleiro com arroz em baixo e arroz em cima, para depois seguir até ao forno. Quanto ao arroz, é cozido no molho que sobrou do pato estufado, depois de triturada a mistura e acrescentada água.

 

Hoje não tenho fotografia mas está garantido o relato de alguém aqui «Quanto Mais Quente Melhor» para comprovar que este é, de facto, o arroz de pato que teve direito a passar no meio das águas separadas.